sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

Partamos as máquinas!


Quando o fumo e o óleo substituíram o cheiro a bosta e a cavalo nas principais cidades europeias oitocentistas e as máquinas chegaram para substituir o trabalho braçal, os operários partiam as máquinas convencidos de que elas eram responsáveis pelo desemprego surgido. Digamos que em Portugal também há muita gente "desempregada" dos velhos hábitos que começou a partir as "máquinas" simbólicas do futuro do Benfica em construção. Exaltada com as derrotas no futebol de onze - como se o Benfica se reduzisse ao futebol de onze e aos euroganhos na Champions -, essa gente vê o futuro como o anjo do quadro Angelus Novus de Paul Klee via o futuro da modernidade: um montão de ruínas, uma tempestade, um desastre total.
Ora, quando analisamos este Benfica (Benfica é um processo) temos dois defeitos: o primeiro consiste em reduzir o Benfica ao futebol de onze; o segundo consiste em pretender resultados vitoriosos instantâneos no futebol de onze.
Muito em particular, benfiquistas exaltados, falsos benfiquistas e capangas das hostes do Puto da Camorra e do Mestre Ubu atacam o futuro formador e universitário do clube cujos trabalhos já começaram. A ideia é esta: deixemos o oneroso futuro formador em paz e ponhamos o Benfica da Liga A com reforços externos de jeito e a ganhar tudo sempre. Não há meio termo: é sempre para sempre com reforços. Por outras palavras: temos a alma na estranja, os bons jogadores só podem estar lá fora. Santos de casa não fazem milagres - eis a filosofia do benfiquismo periférico, de aldeia atraída pelo néon exterior.
Nesse interim, emocionados, hostis à formação cientificamente conduzida, não somos capazes de ver a actual fase de transição, híbrida, mestiça, em curso: o Benfica está a sair de uma fase da sua história e começou a dar os primeiros passos na outra fase, a fase da modernidade formadora e empresarial. Estamos de tal maneira agarrados a partes da fase antiga que estamos cegos ante o futuro em marcha, futuro que amaldiçoamos com todas as nossas forças como o anjo de Klee. Futuro que contempla em absoluto novos métodos de formação dos futuros atletas e, entre outras modalidades, a do futebol de onze. Futuro que é caro, futuro que exige dinheiro para múltiplos usos, futuro que será cada vez mais mundializante, multinacional. Os desaires que estão a acontecer no futebol de onze - nas outras modalidades nada disso sucede - têm absolutamente a ver com a entrada na nova fase. Os pistons são outros, o carburador é diferente. A pouco e pouco estão a chegar - e continuarão a chegar - à equipa do futebol de onze novas caras, jogadores jovens, novas modalidades de jogo, processo que requer tempo e acertos. Isto é um processo dialéctico, não um estado fixo, não obra apenas de A ou B. Desaires hoje, vitórias reforçadas amanhã.
Raivosos, sedentos de agressão, investimos contra LFV, contra RV, contra o que alguns chamam depreciativamente "superestrutura", queremos linchamentos imediatos, cabeças penduradas, a catarse das coisas cheias de sangue. 
Mas o que verdadeiramente sabem os benfiquistas dos processos em curso no clube? O que verdadeiramente sabem sobre a modernização em curso? O que verdadeiramente sabem sobre a modernidade nas outras modalidades? Quando deixarão os benfiquistas de reduzir o clube ao futebol de onze imediato, ao futebol de onze sopa de pacote, ao futebol de onze pronto a servir com reforços pagos a peso de ouro? 
Quando abandonarão o benfiquismo medievo, o benfiquismo chorão, o benfiquismo das vísceras, o benfiquismo do presente, o benfiquismo-Cro-Magnon?

5 comentários:

  1. Genial. Mas sabemos como são as massas adeptas, mais que o nosso sucesso imediato ,abominam o sucesso dos rivais porque sempre vem acompanhado de enxovalho e escárnio.No entanto convém fazer reset dos sucessos anteriores para que estes não sirvam de leit-motiv ou argumento para que a cultura de sucesso não prossiga e que o "cansaço de ganhar" ou "empanturramento" das vitórias,não obnubile o nosso horizonte.É imperativo haver cultura de rigor e exigência, característica de clube grande e vencedor.

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  2. De acordo. Entretanto, o benfica detém ainda um record indisputável: o de ser o único clube diariamente falado e discutido em Portugal, pelos adeptos e pelos adversários. Gente há que vive em permanente vigília por causa do clube. O Benfica é, definitivamente, o sangue de todos. Et pour cause...

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  3. Excelente análise! Um destaque: «o Benfica está a sair de uma fase da sua história e começou a dar os primeiros passos na outra fase, a fase da modernidade formadora e empresarial.» É preciso que todos tenhamos esse aspecto bem presente. Custa muito não ganhar, mas temos que encará-lo como "dores de crescimento".

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  4. Como se pode sustentar um Benfica em construção, quando a dura realidade nos coloca na ridícula posição de termos sido a única equipa que nas competições da UEFA (Champions League e Europa League) não conseguiu amealhar um único pontinho na fase de grupos? E depois de ter estado integrada no pote 1 da CL...
    Porra!!! Por essa Europa fora, de norte a sul, são tudo projectos já consolidados, pá! Ou, então, talvez ainda ande tudo na Idade da Pedra...
    Ah... não há nada como ser o único clube servido por expert's, no mundo e arredores...
    Os outros são todos uns Cro-Magnon's, pá!
    (José C. S. Branco)

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  5. Obrigado pelo comentário, respeito a desilusão que sente. Todavia, como disse ontem LFV, "É tempo de um novo tempo".
    https://www.slbenfica.pt/pt-pt/agora/noticias/2017_2018/12/08/luis-filipe-vieira-presidente-discurso-casa-benfica-covilha

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